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"IN MEMORIAM" 

Discurso proferido pelo Capelão Soren, em solenidade realizada no Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial (Monumento dos Pracinhas), no Rio de Janeiro,

nas comemorações da Semana da Vitória, em maio de 1961.

Senhores,

Meus Irmãos,

Ex-Combatentes do Brasil.

 

   Descobrimo-nos e curvamo-nos com respeito e reverência diante dos heróis da Pátria cujos despojos mortais repousam, em substância ou em símbolo, na cripta sagrada deste Monumento. E fazemo-lo com olhos marejados,

porque nesta data de tão relevante significação histórica, e neste altar de culto cívico e patriótico, hoje convertido em igreja pela reunião aqui

de tantas almas brasileiras que rendem culto a Deus,

reabrem-se as feridas que a guerra deixou em muitos corações.

 

Sabei, vós, cujos queridos, cujos heróis amados destes à Pátria para não mais vê-los, e que tanta dor suportastes quando recebestes, envolta no Auri-verde Pendão, a urna que orvalhastes com lágrimas de saudade, que irmanamo-nos convosco nessa indizível tristeza.

Outros há porém, que nem mesmo esse mínimo conforto tiveram, por isso que os seus heróis queridos foram tragados pela voragem misteriosa da guerra, que às vezes subtrai da vida o combatente, obliterando com maldita magia todos os vestígios de uma existência.

Outros, muitos outros, foram sepultados na vasta e profunda campa verde do mar, sem sequer uma cruz branca de madeira para marcar-lhes o derradeiro pouso.

 

Recebei, Irmãos e Amigos, a manifestação sincera e evangélica de nossa solidariedade. Os brasileiros que aqui se reúnem, e milhares, senão milhões que estes aqui representam, sentem convosco, choram convosco, sofrem convosco numa comunhão genuína, que é a um tempo cristã e patriótica.

 

Há aqui alguns para os quais nem mesmo a ação suavizadora do tempo consegue atenuar os efeitos dos golpes contundentes da guerra. Não penso apenas nos familiares daqueles que pereceram no cumprimento do dever. Falo, senhores e irmãos, dos companheiros vivos daqueles que mortos, hoje homenageamos.

Falo daqueles que conduziram até este lugar as urnas que trouxeram de Pistóia os restos mortais de companheiros d’armas. Falo desses homens que serviram no mar, e que não mais podem contemplar o oceano sem que se lhes anuvie o semblante na lembrança de bons companheiros que ali submergiram para sempre. Falo dos esquadrilheiros que viram bravos companheiros se precipitarem das nuvens e se espedaçarem no solo. Há uma comunhão de dor, uma afinidade de nostalgia e de saudade que congraça e confraterniza para sempre os ex-combatentes do Brasil. Neles jamais se poderá desfazer aquela amizade de companheiros d’armas, aquele estranho mas profundo afeto que reponta nos homens fortes quando juntos arrostam graves perigos e, lutando por causas dignas e nobres, enfrentam a morte a cada passo.

 

Afirmo-vos, senhores, que isso o tempo não dilui. A emoção que vai no peito de cada ex-combatente nesta reunião, é a mesma que sentiu ele há dezesseis anos passados quando regressava à Pátria, feliz e dando graças a Deus por encontrar-se vivo, mas com o coração oprimido pela saudade dos companheiros que tombaram.

 

Este belo monumento reconforta o coração do ex-combatente.

É uma afirmação e garantia de que não foram esquecidos os sacrifícios daqueles nobres heróis da Pátria. É também evidência solene de que permanecem vivos na consciência nacional os ideais que os jovens filhos da Pátria defenderam com o custo da própria vida.

 

Infelizmente a luta pela liberdade é uma luta que não tem fim.

Quando supúnhamos que os monstros liberticidas estavam aniquilados para sempre, e que não mais haveria neste mundo clima propício a tiranias e opressões, já nos alarmamos ante o ressurgimento de terríveis ameaças que põem em perigo as mais altas e preciosas conquistas da civilização.

Esta, senhores, é uma solenidade religiosa, que se realiza precisamente no local em que hoje também se realizam outras solenidades religiosas de cultos diferentes. Bem haja. Graças a Deus pela liberdade religiosa em nossa Pátria. E bem poucas pátrias há no mundo em que é tão completa, tão bela, tão fraternizadora, tão dignificante, tão cristã como é no Brasil a liberdade de fé e de religião. Se é verdade que o Brasil lidera as nações do mundo no que diz respeito à democracia racial, temos de convir que o Brasil vai se tornando para as demais nações um modelo de liberdade religiosa. Essa conquista histórica e auspiciosa responde pela revitalização das demais liberdades no arcabouço da estrutural nacional. A liberdade de crença é subsidiária e sustentadora das demais liberdades. Quando falseia aquela, estremecem as outras. Se as tiranias detestam as liberdades, de todas a mais detestável para tais regimes é a liberdade religiosa. Não há exemplos na história de regimes de tirania e opressão social e política em que florescesse a liberdade religiosa. Uma coisa e outra não podem coabitar.

 

Não podemos nos tranquilizar com os louros de uma vitória que reputamos cabal e definitiva, quando levamos em conta que a maioria dos povos deste mundo vive sob regimes que os despojam da liberdade religiosa e, com essa, também das demais. Nunca na história da humanidade houve  período em que, mais do que neste século XX, tão poderosas forças se articulassem para combate ostensivo à liberdade religiosa.

 

A Semana da Vitória comemora a eclosão de uma luta em que se empenhava o Brasil, não tanto contra uma nação ou nações, mas contra uma ideologia sufocadora da liberdade, aviltadora das dignidades e dos direitos humanos, entronizadora da força, da violência e do arbítrio. E, embora empunhe hoje outras armas e desfralde bandeira de outra cor, ronda sinistramente à porta de nossa Pátria, o inimigo da liberdade.

 

O tesouro incomputável que contem este monumento aos mortos na II Guerra Mundial, não consiste no conteúdo das urnas e nem mesmo na qualidade intrínseca dos materiais empregados nessa magnífica estrutura. O grande valor deste monumento, a sua imensa riqueza consiste no seu conteúdo imaterial, simbólico, espiritual. Esse é o valor que perdura, que o tempo não dissolve. São esses os valores que não tem preço, que não podem ser adquiridos com a soma de todo o ouro dos tesouros materiais.

 

A maior glória de uma nação não consiste primariamente na fertilidade do seu solo, nem nas potencialidades econômicas de sua produtividade, nem no lastro pecuniário de seus tesouros, mas nas dignidades e nos valores morais que ornam o caráter e a vida individual e coletiva de seus cidadãos.

 

Não obstante a doutrina tão disseminada de que a maior bem-aventurança de uma nação reside numa sadia estruturação e estabilidade econômicas, o exame da história contra argumenta essa tese. O que se constata é que onde falta o enfibramento moral que nasce do cultivo dos valores morais e espirituais, então o apogeu do bem-estar econômico e material marca o princípio do fim. Nosso Senhor Jesus Cristo, no famoso Sermão do Monte por Ele proferido, advertiu que, na medida em que tenta o homem construir o edifício de sua existência sem observar os preceitos de Deus, ele edifica sobre o alicerce inseguro e arenoso, e que não tardam os ventos tempestuosos que tal construção abalam ou arruínam.

 

Mesmo nas contingências materialíssimas e brutais da guerra, não é possível prescindir-se dos fatores que reforçam o espírito e enrijam a personalidade. É de grande peso nessa conjuntura o depoimento prestado pelo Supremo Comandante das forças aliadas na II Guerra Mundial. Esse grande militar, que teve sob seu comando o maior poderio militar que este mundo já viu, faz em uma de suas obras, esta momentosa declaração: “O que deu a vitória aos Aliados não foram canhões, tanques, encouraçados ou aviões, mas

os imponderáveis do espírito”.

 

Se nos afligem os problemas desta geração, havemos de convir que são oriundos de causas não materiais, senão morais. Já observava Alexis Carrel, que no empenho de edificarmos a civilização moderna, parece que nos esquecemos da peça principal, que é o homem. Para termos um mundo melhor precisamos de uma humanidade melhor. Uma humanidade moral e espiritualmente enriquecida, uma humanidade que busque primeiramente o Reino de Deus e a sua justiça.

 

Debalde tentaremos trazer bem-aventuranças sobre a nossa Pátria sem que reforcemos as suas defesas e revigoremos as suas potencialidades com uma genuína renovação moral e espiritual.

 

Mas o sábio Alexis Carrel, no que pese a opulência de sua cultura, deixou de ferir o ponto crucial dessa confusão e desdita em que se encontra o mundo em que vivemos: é que no empenho de edificarmos a civilização moderna, se nos esquecemos do homem, ainda mais, e tragicamente, temos nos esquecido de Deus.

 

Onde está a consulta a Deus, o temor de Deus, a lei de Deus, nos projetos e nas relações da vida hodierna? Que lugar temos dado a Deus na vida política, no comércio, na administração pública, na educação, nas relações do trabalho, econômicas e internacionais, no comportamento individual e nas relações sociais?

 

Valho-me desta tribuna sacra sob o céu azul de minha Pátria, para apelar à mocidade do Brasil, para que não se deixe seduzir pelos acenos do materialismo deprimente dos mais altos e excelentes valores, mas que para Deus se volte, e na fé se renove e se capacite para as mais gloriosas arremetidas!

 

Inspirado teólogo que por muitas décadas viveu em nossa Pátria, forjou um novo brocardo que é um provérbio de sabedoria: “O coração do progresso é o progresso do coração”. É no aprimoramento do caráter, no aperfeiçoamento cristão da personalidade, na sublimação moral do homem interior, isto é, da própria alma, pela presença de Deus e a luz de Jesus Cristo no coração, que o homem se realiza e se habilita para as mais nobres e superiores realizações.

 

Praza aos Céus que Deus proteja a nossa Pátria. Praza aos Céus que haja paz

e prosperidade no presente e no porvir do Brasil.

 

Mas para tanto, rogamos a Deus que, pelos caminhos da Divina Providência convoque o Senhor e o Povo Brasileiro para a fé e para a salvação em Jesus Cristo, porque está escrito: “Bem aventurada é a nação cujo Deus é o Senhor”.

 

                                              Pastor Capelão João Filson Soren                                                     Rio de Janeiro, Maio de 1961.

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